sábado, 17 de março de 2012

O esquecimento azul (parte VI)



Lúcio levava Francis até o outro 'departamento'. Ficava logo depois das alamedas ajardinadas, em volta do prédio onde estavam antes. Passou por eles um senhor cabisbaixo, parecendo preocupado com alguma coisa...
Lúcio pediu licença por uns instantes para Francis, e foi falar com o tal senhor. Ela sentou-se em um dos bancos da alameda e esperou.
Percebeu que eles conversavam baixinho. Em certo momento, Lúcio deu-lhe um "passe", que era nada mais do que a imposição das mãos sobre  a pessoa, realizando uma prece interna, que energizava a quem recebesse, dando-lhe bons fluidos.
Isso Francis conhecia bem, pois ainda na Terra, ela mesma fez isso em alguns momentos, quando socorria uma pessoa espiritualmente.
Depois disso, o senhor tranquilizou-se e apertando as mãos de Lúcio, agradeceu o conforto e saiu, desta vez com a cabeça mais erguida...
Lúcio voltou até  Francis e retomaram o trajeto para o outro prédio.
Francis nada perguntou, mas Lúcio já sabendo de seus pensamentos e disse:
_ Quem era aquele senhor?
_ Meu pai na Terra. Chama-se Horácio.
_ Seu pai? Nossa! Não esperava que fosse essa, a sua ligação com ele.
_ Sim, ele chegou mais ou menos quando você veio também, uns dias antes...
_ Então você está mais tempo aqui do que ele... É o mentor dele também?
_ Não. É um outro, amigo da família. Mas vamos, depois falamos sobre isso...
_ Ok.

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O local era bem maior por dentro, do que parecia do lado de fora: Paredes brancas, teto azul, amplas janelas... Entraram numa porta que estava entreaberta.
Lúcio se apresentou ao 'Conselho de Mentores' que era uma reunião deles, em volta de uma mesa em forma de meia lua, toda pintada de branco.
Naquele instante, Francis sentiu-se uma intrusa e recuou alguns passos, ficando no salão.
Mas um dos mentores que estavam ali, a chamou de volta:
_ Entre, Francis. Você é muito bem vinda aqui.
Em um momento ela lembrara de um poema que lera nos seus tempos de adolescente:  

IRENE NO CÉU, de MANUEL BANDEIRA

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


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Ela se sentiu a própria 'Irene' do poema. Foi timidamente entrando, e o mentor lhe mostrou a cadeira, para que tomasse assento.
Conversavam sobre os novatos e aqueles que apresentavam rebeldia... Teriam que levá-los para uma sonoterapia talvez... Era isso que decidiam no momento que Lúcio e Francis chegaram.
Francis prestava atenção, para aprender mais sobre aquele 'novo mundo'...
Lúcio optou pela sonoterapia assim como a maioria. Apenas 2 mentores tinham sugerido outra forma de acalmá-los: Levá-los ao hospital, para serem assistidos pelos médicos e psicoterapeutas, com novo tratamento.
 Mas como a maioria decide, a sonoterapia ganhou.
"Aquele rapaz que estava na sala de palestras, seria um dos convocados para o tratamento, com certeza..." Pensou Francis...

Tudo acertado, eles se cumprimentaram e saíram do recinto, ficando apenas Lúcio e Francis ali.
Ela então retomou a conversa sobre Lúcio:
_ Conte-me agora como chegou a mentor, Lúcio. Como seu pai reagiu ao encontrá-lo aqui? E o resto de sua família onde está, ainda na Terra?
_ Calma, Francis! Uma coisa de cada vez... Você tem uma ansiedade muito grande! Teremos que 'trabalhar' isso, em você...
_ Sou curiosa demais, desculpe. Mas ainda vai me contar?
_ Sim, mas vamos por partes;
Primeiro: cheguei aqui no verão de 2004. Meu carro caiu de uma ponte, estava alcoolizado, vindo de uma festa, onde passei do limite na bebida, juntamente com outros jovens...
Ao sentir meu espírito se desprender da carne, vi algumas pessoas em volta dando-me as mãos. Segurei firme, me desprendi totalmente...
Então fui levado através de um corredor cheio de luzes, até essa colônia.
Aqui fiquei uns 2 dias no hospital para "desintoxicar", como nas clínicas da Terra...
Depois, meu mentor veio e me instruiu de todo o resto. A princípio eu não achava que deveria estar entre pessoas tão boas, eu mesmo me achava indigno disso.
Mas só o Criador sabe o motivo para tudo. A mim, cabia apenas a agradecer essa acolhida em tão bom lugar. Com o tempo, fui me interessando e ajudando cada vez mais, aos amigos que chegavam, vitimas dos mais diversos descasos com seu próprio corpo: drogas, álcool, fumo, DSTs...
Então, meu instrutor recebeu uma ordem superior, para me elevar ao 'posto', vamos dizer assim, de mentor também. Eu quase não acreditei nisso, não me achando capaz de tal coisa! Mas ele me convenceu, pois disse que para lidar com jovens 'desorientados', nada melhor que outro jovem.. Aceitei então. Desde aquele dia, cumpro meu dever.
_ Mas eu não sou tão jovem quanto você, e não sou 'desorientada' quanto ao mundo espiritual, por que então o designaram  para meu mentor?
_ Isso é um mistério para mim, Francis. Eu não sei o porquê. Apenas me disseram que teria que ser seu mentor, assim que aqui chegasse... E quando tentei perguntar sobre isso, responderam-me: "Existem coisas que são guardadas para o devido tempo".
_ Bem, então é melhor deixar como está, afinal, gosto de ter você como mentor!
_ Obrigado, Francis. Eu também tenho uma grande simpatia por você. Sabe, uma vez li um conto seu, quando estava na Terra... E achei que era muito talentosa!
_ Agora quem agradece sou eu. Mas voltando ao assunto...
_ Sim, você me perguntou se o resto da família estava na Terra...
Minha mãe Lara, foi a primeira que veio, faz 15 anos que está aqui, e está prestes a reencarnar. Minha irmã Luiza, está viva e se tornou advogada. Ela não sabe ainda, mas está grávida. Em breve, minha mãe será a filha de Luiza.
Meu pai você já viu, ficou contente ao nos reencontrar, mas está inconformado, porque agora que reencontrou minha mãe, já vai perdê-la novamente...
Respondidas todas as suas perguntas, ou tem mais?
_ Ora, só tenho mais uma coisinha para perguntar: O que fazia, qual era sua ocupação na Terra?
_ Era um professor de História, recém formado. A festa onde estava, era dos meus alunos. Aquelas 'confraternizações' de fim de ano...
_ Estou contente em ter partilhado essas coisas comigo.
_ Você é uma pessoa boa Francis, merece toda atenção. Agora vamos sair daqui. Quero te levar para outra  parte da colônia, sei que vai se identificar muito...
_ Nossa, já estou curiosa outra vez!

(continua)

Fátima Abreu

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