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Cartas de Verão
Vol 2 de:
Pelo Sol do Entardecer
Fátima Abreu Fatuquinha
Introdução:
Resumindo o volume 1 para quem não leu, possa entender esta continuação:
Final do século XIX.
Dulcina uma jovem ainda na casa dos 20 e poucos anos, era viúva do primeiro marido, morava na Corte do Rio de Janeiro. Nessa época ainda estava no Segundo Reinado. No entanto, algum tempo depois, a República chegava...
Agora morava a região cacaueira da Bahia, depois de uma breve estada em Taubaté, SP, na zona cafeicultora, onde seus pais tinham uma fazenda. Lá conheceu Valentim, professor de música na mesma escola em que lecionava...
Encontrava-se agora separada do segundo marido, e vivia maritalmente com Gonçalo, primo de Valentim.
Seu ex esposo morava em outra cidade com a nova família, que formara com uma de suas amantes que ficara grávida. No entanto, a criança morreu.
Alícia era afilhada de Dulcina e filha legalmente de seu marido Valentim com sua primeira esposa (embora a criança fosse de outro, pois Gabrielle teve um caso com um jovem que veio a falecer, deixando-a grávida, e Valentim assumiu a criança).
Alícia fora criada por Dulcina diante da morte da mãe da criança (Gabrielle), e no casamento precoce com Valentim, descobriu que amava mesmo a menina como filha.
Quando soube que o segundo marido a traía, ficou com Alícia, e ele seguiu sua vida...
Ela refez a vida com Gonçalo que sempre a amparou e deu carinho. Assim, ela engravidou, e teve Mariana, dando uma irmãzinha “emprestada” para Alícia.
Capt 1
Os anos passam e quando se dá conta, a vida mudou...
Dulcina agora balzaquiana, tinha duas lindas filhas crescidas, pois, Alícia contava agora 16 para 17 anos, e Mariana 12 anos.
Os tempos não eram favoráveis para o maior produto da fazenda, pois, a colheita havia sofrido dano pela chamada “vassoura de bruxa”, um fungo que ataca os cacaueiros.
Gonçalo evitava de falar sobre isso com Dulcina, não queria lhe trazer problemas. Afinal, cuidar das mocinhas já era sua preocupação.
Chegou aos seus ouvidos que o ex marido, Valentim, havia morrido:
Como era muito conquistador, engraçou-se para o lado da filha de um fazendeiro, que já tinha a fama de bom pistoleiro.
A mulher com quem teve o filho que morreu, já não vivia mais com ele.
Não suportando suas escapulidas, para os bordéis de Salvador, ela o deixou de vez. Claro, temia que pudesse até pegar uma doença venérea, coisa que nunca havia pego antes... Então, antes que isso acontecesse, pegou uma mala e foi embora numa manhã de sábado, quando Valentim ainda dormia.
Com a saída dessa mulher de sua vida, ele se sentiu novamente apto à novas conquistas e a jovem filha do fazendeiro, para quem ele fazia a contabilidade, foi a sua investida.
Ela, que se chamava Viviane, lhe garantiu que não era virgem, porque ela mesma havia tirado esse “probleminha” do caminho, com uma vela grossa. Espantado com o ato da jovem, mas, aliviado, ele então teve relações sexuais durante três meses com ela, sem ninguém perceber na fazenda.
Todavia, numa tarde, uma das antigas mucamas que ainda vivia na fazenda, (mesmo depois da Lei Áurea, quando ganhou a liberdade), os viu deitados sem roupa, às margens de um rio.
Sem pensar muito, e querendo ganhar umas moedas pela informação, foi direto ao patrão e revelou o que acontecia...
O pai para defender a honra da filha, montou seu cavalo rapidamente e ao chegar ao rio, conseguiu avistá-los vestindo as roupas.
Ele não chegou a descer do cavalo, dali mesmo atirou na cabeça de Valentim. Sua pontaria era a melhor da região.
Viviane olhou ao redor para visualizar de onde havia saído aquele tiro, mas, enquanto ela segurava Valentim nos braços, seu pai já galopava de volta.
A notícia da morte de Valentim, correu as fazendas de cacau, e até mesmo em Salvador, onde era muito conhecido...
Dulcina tornara-se viúva então, e assim, depois de 13 anos vivendo com Gonçalo, ela enfim, pode casar-se com ele.
A festa foi maior do que a primeira confraternização, anos antes...
Suas filhas foram as damas do casamento, e tudo era festa naquele lindo final de semana!
Dulcina que sempre pareceu ter menos idade, mesmo passando dos 35 anos, parecia ter uns 28, no máximo. Era uma noiva linda.
Com um buquê natural de margaridas em suas mãos, ela arremessou no final do jantar, para que as mocinhas casadoiras da região, disputassem quem seria a próxima a se casar.
O buquê não caiu na mão de nenhuma delas, e sim, na mão de Maria do Céu, a ex escrava tão companheira de Dulcina.
Ela já achava que nunca se juntaria a alguém, pois, era tão balzaquiana quanto Dulcina...
Mas, diante de ter caído o buquê em suas mãos, ela sorriu, com a esperança renovada. Era uma bonita representante de seu povo.
As festividades com música e dança continuaram por toda noite...
Depois de tudo, na tarde do dia seguinte, Gonçalo teve então coragem de dizer à Dulcina a situação dos cacaueiros. E a perda de dinheiro que se daria por conta disso...
Dulcina, resoluta respondeu:
- Não se afobe, meu querido Gonçalo. Tudo tem solução nessa vida. Só a morte é que não. Daremos um jeito. Poderemos partir para outro empreendimento... Vou estudar algumas ideias, e me atualizar do que anda acontecendo pelo mundo. Ouvi falar da implantação de máquinas para tecelagem aqui na Bahia. Que tal mudarmos os rumos? Quem sabe, de produtores de cacau, para algodão na confecção de tecidos? Afinal, em todo lugar precisam de roupas!
- Minha querida Dulcina, que ideia mais interessante! Então, tome mais conhecimento desta causa, e me traga algo palpável para que analisemos a possibilidade da compra desse tal maquinário.
- Exatamente, o que pensei. Vou pedir que me tragam jornais da capital para ler a respeito, e fazer contato com quem precisar... Sei que esse tipo de indústria começou em Santa Catarina, depois em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e aqui na Bahia desde 1844. Podemos seguir esse empreendimento também!
- Ah, Dulcina! Você é a mulher que todo homem gostaria de ter! Linda, culta e visionária!
Ela ficou rubra. Os elogios dele eram constantes em sua vida, mas, quando ele dizia essa frase específica, ela se sentia como uma deusa ou imperatriz, algo bem forte...
Os dias se passaram... O algodão deu lugar aos cacaueiros. Os meses revelavam nova estação. Mas, até tudo estar no ponto de produção têxtil, demoraria ainda.
Dulcina então, pegou algumas de suas joias, e investiu na compra do algodão colhido em outras fazendas, para dar o pontapé inicial na confecção de tecidos.
Gonçalo havia comprado as máquinas com uma reserva de dinheiro que mantinha para possíveis crises.
A antiga senzala, desabitada há muito tempo, havia sido totalmente reformada para abrigar o maquinário da pequena indústria têxtil que ali começava...
Mariana e Alícia estavam empolgadas com a nova movimentação na fazenda, e se prontificaram a ajudar no que fosse necessário. Evidente que Gonçalo e Dulcina não queriam tal coisa. Afinal, empregados não faltavam na fazenda.
Todavia, as jovens não se deram por vencidas, e pediram para ajudar pelo menos na ideia dos modelos de vestidos que poderiam produzir, caso depois fossem expandir para a confecção de roupas...
Dulcina aceitou isso como uma produção futura, se desse certo o negócio da tecelagem. De qualquer forma, demorariam a tomar um segundo passo, pois, mal começavam com o primeiro...
Capt 2
A produção crescia na fazenda, e também algumas culturas da região, foram assimilando a do algodão.
A Bahia tinha o dom de se reinventar... O povo era alegre e isso facilitava seguir em frente, vencendo obstáculos pelo caminho. Gonçalo, mesmo espanhol, estava ali fazia tanto tempo, que se considerava um bom baiano.
Dulcina, a carioca cheia de ideias novas, seguia de mãos dadas, ajudando o marido.
Passaram-se mais três anos e meio, e Alícia, agora contava 20 anos. Pela sociedade em si, estava mais do que na hora de casar. Mas, ela era diferente.
Fora criada por Dulcina, e tornara-se um espelho de seus ideais. Interessava-se por Geografia, lugares nunca vistos, invenções, Ciência e Literatura.
E já ouvia rumores que no Rio de Janeiro, torres de energia que utilizariam como fonte a própria atmosfera (éter), seriam instaladas para a produção de energia elétrica!
Ela ficou entusiasmada com tantas descobertas novas (que lia nos periódicos), que pediu para que os pais pudessem deixá-la ir para a capital do país.
Dulcina via nos olhos de Alícia, o mesmo brilho que tinha os seus, no passado, quando lia sobre as grandes novidades daquela Feira na Filadélfia, onde D. Pedro II esteve.
Sendo assim, Dulcina depois de muito pensar, resolveu deixar que Alícia conhecesse o Rio de Janeiro.
Pensando melhor, ela viajaria com as duas filhas para ser sua “guia turística”.
Dessa vez, teria também Gonçalo na viagem.
Ele, finalmente poderia conhecer a sogra; e as meninas, a avó, pois, desviariam um pouco o itinerário, para passar pelo estado de São Paulo.
O pai de Dulcina já havia falecido fazia dois anos, e ela não pode vê-lo antes de descer túmulo, pois, não havia como chegar a tempo para o sepultamento.
Dessa forma, seria agora uma chance de rever sua mãe, e quem sabe, até convencê-la a morar com a família que Dulcina construiu? Ela vivia solitária na fazenda, mesmo rodeada de trabalhadores e da criadagem da casa.
A viagem foi planejada nos mínimos detalhes.
Gonçalo providenciou que a produção continuasse a todo vapor, deixando tudo nas mãos de pessoas de sua confiança.
Assim, seguia com a família para o sudeste. Seria a primeira viagem de férias em tantos anos...
Capt 3
A viagem foi cansativa como era de se esperar. Dulcina corria os olhos pela paisagem relembrando quando fez aquele mesmo caminho tantos anos atrás...
Pensava como foi corajosa em refazer o caminho de D. Pedro I, contudo, era tão jovem naquela época! Ah, o ímpeto da juventude!
Quando deixara o Rio, ainda estava no segundo Reinado, agora era uma República!
Isso fazia com que novos rumos fossem tomados. Novas expectativas!
Talvez aquelas mesmas ruas que passeou tanto, agora estivessem mais modernizadas... Era um palpite, pois com novos governos, vem as iniciativas também de progresso.
O primeiro local que Dulcina visitou depois que voltou ao Rio de Janeiro com as filhas e o marido, foi o chamado "Chapéu do Sol", no Morro do Corcovado. Ali as pessoas podiam observar toda a Baía de Guanabara e o explendor das matas daquela época, sem as habitações que vieram posteriormente...
Um dia, aquele Coreto seria substituído pelo Cristo Redentor já no século XX.
Contudo, ali estavam extasiados com tanta beleza!
E nessa emplogação passearam por toda parte. A família estava estabelecida temporariamente, num hotel. Claro, a intenção era achar uma casa para alugar por temporada. Depois de muitas visitas aos antigos conhecidos de Dulcina e a contatos que eles lhe forneceram de possíveis moradias, finalmente, acharam onde ficar.
Para comemorar essa temporada no Rio, decidiram dar um baile, convidando todos aqueles a que fizeram visitas antes. Seria aos moldes do Rio, bem diferente das festas que aconteciam nas fazendas da Bahia.
Os jovens de boa reputação que poderiam ser futuros pretendentes das moças, também foram convidados. Quem sabe Alícia se interessaria por algum? Já Mariana, poderia ter mais tempo para isso...
Dentro de si, Dulcina sabia que a jovem Alícia, não ficaria confinada na fazenda: Os seus sonhos eram amplos...Isso ela sempre deixou claro. Alçava voos maiores!
Sendo assim, natural que ficasse morando fixamente no Rio de Janeiro, onde tudo acontecia.
O baile aconteceu numa noite de sábado. Tudo era frescor, pois, flores por todo lado, davam contam disso. Havia um piano num canto da sala maior, onde Alícia fora convidada a tocar pelo menos uma melodia para os convidados.
Como esperado, ela tocou divinamente arrancando aplausos de todos que ali estavam. Uma pessoa, em particular, teve vontade de conhecê-la, ou seja, ser apresentado à jovem Alícia: Era Marques (gostava que o chamassem pelo sobrenome).
Um homem de seus 30 anos, advogado bem conceituado no Rio de Janeiro, tendo estudado anos antes também na Europa. Aproximou-se de Dulcina, pedindo que esta lhe apresentasse à filha mais velha, pois, ficara imensamente entusiasmado com sua beleza e talento ao piano.
Dulcina vendo uma oportunidade, de quem sabe, um futuro enlace entre os dois, não mediu esforços para apresentá-los rapidamente:
- Filha, já teve o prazer de conhecer o advogado Marques? Ele é muito requisitado aqui, segundo eu soube...
E Alícia sem mostrar seu desinteresse, o cumprimentou dando a mão coberta com uma luva delicada, de renda branca. Ele fez uma reverência e beijou a mão estendida, como cavalheiro que era.
- Ah, como vai? Sou Alícia.
- Muito bem. Achei-a ótima pianista, há em sua pessoa, muito talento!
Dulcina sorrindo, então deu uma desculpa para deixá-los conversando à sós:
- Jovens devem ter muito o quê conversar... Vou saber como estão nossos convidados.
Saiu antes que Alícia pudesse dizer uma palavra.
E o advogado retomou a conversa, tentando manter Alícia interessada em suas palavras...
Dulcina olha vez por outra em direção ao casal, para tentar descobrir se havia possibilidades naquele diálogo. No entanto, percebeu que Alícia já estava cansada e conhecendo sua filha adotiva, sabia que fazia apenas a gentileza de ouvir aquele homem.
Dia se passaram depois do baile. Dulcina e Gonçalo já pensavam em voltar para a Bahia. Alícia disse que ficaria no Rio. Quanto à Mariana, ela teria que voltar com os pais, contudo, Alícia propôs aos pais que deixassem sua irmã ficar também. Comprometendo-se a cuidar da caçula, como se fosse a própria mãe, Dulcina.
Os pais entreolharam-se achando aquilo tudo muito inesperado! Não era essa a ideia à princípio. Contudo, Alícia sabia levar uma conversa, sendo muito persuasiva quando queria...
Os pais disseram que iriam pensar e no dia seguinte, dariam a resposta.
Todavia, Alícia já sorria vitoriosa e Mariana também.
Gonçalo e Dulcina partiram sozinhos, mas, deixaram algumas joias como dote para as filhas e uma boa quantia em dinheiro para que pudessem comprar uma casa, e ainda sobrar bastante.
Capt 4
Aquela manhã estava chuvosa, Mariana olhava pensativa pela janela, olhando as flores da entrada da casa:
"Será que fiz bem em ficar aqui?"
Alícia entrou interrompendo seus pensamentos e já perguntando:
- Minha irmã está apreciando a chuva caindo, ou os pensamentos estão rondando?
- Sim, mana, estou a pensar... Fiz o certo em ficar no Rio? Estou me sentindo entediada, nada tenho para fazer aqui. Lá na fazenda eu tinha...
- Querida, "meu biscoitinho" (era assim que tratava a irmã) já já isso muda! Logo estaremos montando nossa loja, produzindo vestidos, luvas e chapéus para as damas do Rio.
- Mana, mas, ainda não encontramos local para isso, estou aflita. Os dias passam... Faz um mês que papai e mamãe partiram, e ainda estamos numa casa alugada que não podemos transformar em loja. Temos que ter nosso canto mesmo, e assim poderemos ter um salão da casa, para montarmos nossa loja, como as Maisons da França!
- Sei de tudo isso. Mas, hoje mesmo tenho um casa para visitar, e caso sirva para moradia e loja, a compraremos com o dinheiro que papai nos deixou para o investimento.
- Ah, está falando sério? Onde é essa casa? Quero ir contigo!
- Calma, não se afobe assim... Iremos logo depois do almoço. Já marquei a visita com o senhor que está cuidando de vender a casa. Na verdade é um sobrado, e abaixo tem um depósito com lavabo, que poderemos transformar em uma loja de costura para senhoras e crianças, com muito afinco.
- Nossa, parece perfeito! Consigo até imaginar o letreiro:
"CASA DE COSTURA PEQUENA PARIS"
- Não tínhamos falado do nome... Inventou agora?
- Sim, foi o que me veio à mente.
- Então será esse o nome, "meu biscoitinho"!
As duas irmãs se abraçaram felizes e esperançosas, de ser aquele o local que tanto almejavam para começarem sua loja.
Como querer é poder, pois a força do pensamento positivo gera resultados, tudo aconteceu como planejado. As duas decoraram a Casa de Costura como uma loja de Paris, e quem sabe, poderia até se dizer, que era como se ao entrar naquele local, estivesse mesmo numa Pequena Paris.
E as encomendas aumentavam... Precisaram de contratar uma costureira.
Bem, uma portuguesa que passou muitos "apertos" no Rio de Janeiro, fora deixada pelo esposo, um espanhol que a trocou por uma francesa.
Sozinha, não tinha como bancar as despesas. No momento, era sustentada por um amante. Pensou então, em dar uma olhada nos jornais e ao abrir, deu logo com aquele anúncio:
"Casa De Costura Pequena Paris contrata costureira para ajudar na confecção de vestido e acessórios.
Por favor, dirija-se ao seguinte endereço..."
Ela instantaneamente pensou: Esse emprego é meu!
Ao saber que as moças estavam oferecendo um emprego, não pestanejou: Colocou seu melhor vestido e munida de sua inseparável sombrinha, bateu o sino da loja.
Mariana veio atender.
- Pois não?
- Bom dia! Estou aqui pelo anúncio do jornal. Sou Olívia Coelho.
- Por favor, entre então...
A portuguesinha correu os olhos pelo ambiente, e pensou:
"Aquele seria um lugar ótimo para trabalhar."
Mariana disse em tom cortês:
- Sou Mariana. Sente-se, vou chamar minha irmã.
Alícia veio e a cumprimentou. E depois de algumas perguntas (até mesmo pessoais), tudo estava saindo muito bem.
Logo já estavam as três numa conversa animada... Sim, aquela mulher de pouco mais de 25 anos, seria a nova costureira.
A tríade estava formada! No Universo, o número três, rege muitas coisas. E ali não seria diferente.
Dois anos depois, a loja se estendeu também para a cidade vizinha, atravessando a Baía de Guanabara: Niterói teve sua filial. E foi lá que Alícia, Mariana e Olívia conheceram o Dr. March e sua esposa.
Ele era uma figura querida naquela cidade. Sua história merece ser lembrada:
De inteligência invulgar, mas profundamente humilde, ele conheceu a Homeopatia quando ainda era um jovem estudante de Medicina.
Residia o Dr. March na capital do Império, na cidade do Rio de Janeiro, e é então quando um jovem empregado adoece, e é atendido por um médico homeopata.
Depois de demorada consulta, prescreveu os remédios que deveriam ser tomados de hora em hora, e Guilherme, o futuro Dr. March, ofereceu-se para velar a noite toda junto ao doente.
Quando o médico voltou no dia seguinte, para a visita ao enfermo, encontrou-o de volta aos seus afazeres de caixeiro, plenamente restabelecido. Isso impressionou Guilherme e certamente o influenciou para sua entrega total à ciência homeopática.
Não dando certo a sua clínica no Rio de janeiro, aceitou o convite que um amigo lhe fez e veio morar e trabalhar em Niterói, antiga capital da Província do Rio de Janeiro, onde se estabeleceu num imóvel alugado no centro da cidade.
Foi o primeiro médico homeopata de Niterói e, como sempre acertava em seus diagnósticos receitando o remédio correto, sua fama se espalhou pela cidade, que então contava com pouco mais de dez mil habitantes. Não cobrava consulta.
Quem podia, pagava como o desejasse.
Essa prática quase o levou à falência completa, enquanto os aluguéis do imóvel onde morava e trabalhava, se avolumavam sem qualquer solução à vista.
O Dr. March ganhou tanta notoriedade que não tinha mais como dormir em sua cama. Atendia até cerca de meia-noite, tendo iniciado seu labor já às seis da manhã, e a um leve toque em sua porta, que dormia destrancada, ele pulava da rede de lona que armava na sala e atendia ao doente.*
* Retirado do link: https://visaoespiritabr.com.br/cura/dr-march-uma-vida-dedicada-a-caridade
E depois de saber de tantas proezas em prol dos pobres, Mariana quis conhecê-lo pessoalmente.
Niterói tinha seu Dr. "Simplicidade e Bondade" assim como Dr. Bezerra de Menezes também o era.
Capt 5
Mariana se interessou tanto pelo trabalho deste Dr, que ofereceu-se como voluntária para nas horas livres ajudar no que pudesse. Alícia gostou da iniciativa da irmã e deu total apoio, indo de vez em quando, também ajudar os pobres e pacientes do Dr. March.
Olívia foi encarregada de aproveitar as sobras de tecido da loja, e fazer algumas peças de roupas para doação.
E assim as três moças seguiam a vida entre a loja e a caridade...
Alícia enveredou também pelos estudos da doutrina que lhe era apresentada pelo Dr. March. Nisso, Olívia ficou de fora, por ser da religião católica, não queria se quer, entender aquela nova doutrina...
Já Mariana descobriu-se uma ótima cozinheira e começou a ajudar com as sopas dadas aos pobres da região, e inclusive levava aos becos que muitos ficavam sem abrigo, geralmente filhos e até netos de ex escravos.
Alícia adquirira o hábito de escrever para os pais. E assim, através de muitas cartas dava notícias do que ela e a irmã faziam ativamente no Rio de Janeiro.
O novo século chegava e com ele novas ideias. Alícia acompanhava tudo pelos jornais. Desde avanços tecnológicos até as notícias de pessoas ligada à nova doutrina. E foi com pesar, que leu a respeito da morte de Dr. Bezerra de Menezes, no Rio, no dia 11 de abril de 1900.
Mariana também ficara consternada quando soube por sua irmã do falecimento desse grande doutor do pobres, e chorou como se o conhecesse pessoalmente.
Até Olívia, que mesmo sendo católica, admirava o tanto de benfeitoria que ele fazia, deixou cair lágrimas de pesar.
Era o ciclo da vida. Mas, Alícia sabendo que a vida não termina com a morte, devido aos seus estudos da nova doutrina, já imaginava esse bom médico sendo amparado por seus mentores no plano espiritual. Com certeza, ele continuaria suas obras naquela dimensão do tempo e espaço.
***
E na Bahia, Dulcina andava apreensiva com a possibilidade de suas filhas fizarem solteiras. Mesmo sabendo que mulheres podem viver sem maridos, ela se preocupava. Afinal, um homem não era só preciso pelo fator econômico, aliás, com isso não precisa se preocupar, porque as filhas souberam triplicar o dinheiro que Gonçalo havia lhes deixado!
Contudo, havia a necessidade do amor, do cuidado, da segurança física... Achava que suas filhas ficavam muito vulneráveis sem a proteção masculina, já que não tinham se quer, o pai por perto.
Sendo assim, pediu por carta que as filhas fizessem um sarau convidando os rapazes solteiros e suas famílias evidentemente, para quem sabe, encontrarem futuros esposos entre as pessoas convidadas. Já que o último baile tinha sido aquele 2 anos antes da volta de Dulcina e Gonçalo para a Bahia.
Meio a contra gosto, as jovens atenderam ao pedido da mãe, anunciando um sarau para um mês a partir dali.
Afinal, Alícia estava na casa dos vinte e Mariana já tornara-se maior de idade. E com a beleza que cada uma tinha, agora seria a hora de pensar em matrimônio.
Como Olívia tornara-se uma "irmã mais velha" das duas moças, se encarregou de aprontar tudo. Alugou um belo salão já com piano, contratou músicos, as cozinheiras, garçons e todo o resto:
Desde toalhas de mesa e guardanapos até pratarias para a mesa, taças de cristal e pratos de louça importados da Espanha. Claro, sem faltar arranjos florais em todos os cantos do salão.
Aquela noite tinha uma promessa. Embora Alícia não se importasse se arrumaria um pretendente ou não... O que ela gostaria mesmo era que sua irmã achasse uma boa pessoa, e não um riquinho que não lhe desse a devida importância. Quanto â Olívia por estar tão desiludida dos homens, não esperava nada para si.
No entanto, entre os convidados estava justamente um homem de seus 30 anos ainda solteiro, que só corria os olhos para essa última.
Olívia a princípio, não percebera nada. E quando ela ficou perto de um buffet para se servir de alguma iguaria, ele teve coragem: Aproximou-se puxando conversa:
- Boas noites senhorita. Sou Castor Carvalho a seu dispor.
- Boas. Não sou senhorita, sou a senhora Olívia Coelho (embora já não tenha importância isso). Balbuciou baixinho.
No entanto, ele escutou. E assim disse questionador:
- Contudo, não usa aliança...
- Estou separada do Sr. Hernandez, natural que não use.
- Uma mulher separada? Nossa, que coragem! Eu a admiro, enfrentar a sociedade desse jeito...
- Não canto vitória, Sr Castor. Se estou separada, não foi por minha vontade. Ele me deixou. Existem atrativos maiores nas francesas, do que nas portuguesas, pelo menos para ele...
- Compreendo e lamento pela senhora.
- Não lamente. Ele era um traste mesmo, muito mulherengo e sem falar que adora beber, o que me deixava muito incomodada. Pois, o que ganhava, metade ficava com isso.
- Mas, deve ser difícil uma mulher se manter sozinha... Como vive? Sim, claro, se não for indiscrição da minha parte, perguntar...
- Trabalho para as moças que estão dando o sarau.
- As irmãs que tem a Casa de Costura Pequena Paris?
- Exatamente.
- Sim, uma boa loja. Conheço de passagem, é claro.
- A do Rio de Janeiro ou a de Niterói?
- Conheço somente a do Rio. Não sabia que havia outra em Niterói.
- Sim, uma extensão. Assim podemos atender aos dois lados.
- Uma ótima ideia mesmo!
- Agora, se me permite tenho que cuidar do salão para saber se todos estão sendo bem servidos.
- Sim, claro. Mas, poderei lhe visitar na loja?
- A loja é pública, Sr. Castor. Pode aparecer quando quiser. Todavia, se lembre que é uma Casa de costumes para senhoras e acessórios. Ficaria difícil entender o que faria por lá...
- Ah, quando a isso, não há problema; Comprarei algo para minha mãe e irmã.
- Hum, bem... Se é assim, seja bem vindo!
- Obrigado e até lá.
- Até.
Ela saiu dali deixando o rastro do seu perfume, que Castor sorveu como se estivesse cheirando uma bela flor.
Mariana, que tudo observara, pois, estava um pouco perto deles, sentada numa "namoradeira",se encantara com aquele homem antes mesmo dele estar de conversa com Olívia. Contudo, ele não a percebeu. Não se interessava por moças tão jovens recém saídas da adolescência, ao contrário de seu amigos. Para ele, as mais velhas eram experientes e interessantes.
A moça foi ao encontro de Olívia para sondar se havia acontecido algum entendimento entre eles.
- Olívia, aquele senhor me pareceu bem interessado em ti.
- Nada! Só queria puxar conversa. A mãe e irmã são clientes da Casa de Costura. E de minha parte, não quero arrumar um relacionamento afetivo.
- Pois, se é assim, vou averiguar se eu poderia ter uma chance com ele.
- Ah, sim? Nunca vi a senhorita interessada em alguém... Então, crie coragem e vá até ele, ofereça um ponche e puxe conversa...
- Boa ideia! Obrigada, amiga, pelo incentivo!
- De nada, Agora vá.
Mariana se dirigiu até onde estavam os licores e outras bebidas, colocou uma concha de ponche numa taça, e levou até Castor que estava distraído olhando os casais bailando no salão.
Mariana encostou-se ao aparador ricamente adornado, e puxou a conversa:
- Boa noite. Aceita um ponche?
- Oh, olá, boa noite. Sim, muito obrigado. A senhorita é uma das donas da Casa de Costura Nova Paris, não é?
- Por certo. Sou Mariana.
- Prazer em conhecê-la, me chamo Castor Carvalho.
Apertaram as mãos. Ele então, aproveitando a deixa, perguntou:
- A senhora conhece bem a Dona Olívia ali, não é? Pode me dizer se ela tem algum pretedente?
- Ah, não! Olívia não quer saber de relacionamentos. Ela se desiludiu desde que o marido a deixou, trocando por uma francesa.
- Hummm, no entanto, posso tentar uma aproximação...
- Bem, o senhor é quem sabe. Agora se me dá licença, vou cumprimentar outras pessoas. Aproveite bem o sarau.
Mariana afastou-se sentindo um gostinho amargo, que nunca antes havia surgido: O ciúme.
Porém, refletindo sobre a situação, e pelo seu entendimento das coisas, devido à sua espiritualidade, decidiu que não pensaria mais nisso. Olívia era como sua irmã mais velha, e sendo assim, a amizade e respeito que tinha por ela, não seria mudada por interesse de um homem a quem acabara de conhecer.
Continuou sua noite como se nada houvesse acontecido. Aliás, a noite foi muito interessante, como poesias recitadas, valsas, e músicas tocadas ao piano.
Dias se passaram, e Castor movido pela ideia de conquistar Olívia, acompanhava sempre a mãe e sua irmã à Pequena Paris. Não perdia a chance de puxar um dedo de prosa com Olívia, que o vi já como um bom amigo, mas, nada além disso.
No entanto, num fim de tarde, ele adentrou à loja, e naquele momento havia pelo menos uma meia dúzia de mulheres comprando vestidos e acessórios como chapéus e sombrinhas rendadas. Ajoelhou-se diante de Olívia retirando do bolso uma caixa com um anel ricamente adornado com rubis.
E disse:
- Sra Olívia, aceita se casar comigo no civil, e ter meu sobrenome garantindo seu sustento?
Ela levou as mãos aos lábios como sinal de seu espanto, e depois de respirar fundo, deu sua resposta:
- Castor, fico lisonjeada com tal pedido, porém, declino. Eu o tenho como amigo, somente. Não acho justo casar sem corresponder ao seu sentimento. Espero que me compreenda. É um homem bom, gentil, honesto, mas, não posso aceitar me casar somente por isso...
As senhoras que tudo ouviam, dera um sonoro: Ohhhh! Porque era o sonho de toda mulher naquela época, um casamento. Ainda mais, o pedido vindo de um senhor tão bem visto pela sociedade local.
Ele se levantou, guardou o anel e pedindo desculpas, saiu fechando a porta cabisbaixo. A rejeição tinha um sabor amargo como fel.
Mariana que tudo assistira, pediu licença e foi atrás dele. Ofereceu o ombro amigo.
E daquele dia em diante, ela era o apoio dele, pois, uma grande amizade surgiu.
Meses se passaram e ela o levou para conhecer as obras sociais na Casa de Ajuda em Niterói, onde era voluntária. Ele se interessou pela obra, e começou também a fazer parte daquele trabalho de ajuda aos pobres. Am,bos se encarregavam da distribuição de sopa.
Em um fim de tarde, comecinho da noite, quando já estavam terminando esse trabalho, ele disse paar Mariana, enquanto colocava a sopa na caneca:
- Sabe, me dei conta há uns dias, de uma coisa que vem acontecendo comigo...
- É mesmo, Castor? O que se seria?
- Bem, é que...
- Diga, homem!
- Estou apaixonado por você. Sempre amiga, tão presente nos momento mais difícies, e doce comigo... E percebi o quanto já te amo. Então... Aceita se casar comigo?
Ela deixou a caneca de sopa cair e quebrar, tal sua surpresa em ouvir aquilo. Abaixou para pegar, e ele a ajudou retirando os cacos, enquanto ela apanhava um pano de chão e limpava os legumes. Feito isso, ele então olhou fixamente para ela e retomou:
- Então, o que me diz? Serei rejeitado novamente ou não?
Ela abraçou-o e sorridente respondeu:
- Sim, sim e sim! Esperei isso tanto tempo! Meu amor que se tornou platônico, agora pode ser real!
- Então, me ama também?
- Sempre! Desde que o vi no sarau a primeira vez.
Ele a rodopiou no ar, abrindo a saia rodada, como a uma sombrinha.
Três meses depois se casavam, logo depois de Dulcina e Gonçalo chegaram ao Rio para o matrimônio da filha. Mariana continuou a trabalhar na Pequena Paris, pois a loja fazia parte de sua vida. A casa de Castor e Mariana era na esquina vizinha, facilitando seu ir e vir diário. Eram muito felizes mas, um sentimento maternal vinha se apossando de Mariana, mas, por mais que quisesse, não engravidava. E isso a deixava ttriste. Ainda mais pelo marido, todo homem queria ter um filho pelo menos...
Dulcina e Gonçalo ficaram um tempo no Rio, depois do casamento da filha. Mas, Dulcina estav preocupada com Alícia, porque temia que ficasse solteira, e isso implicaria que anos depois, com certa idade, sentisse as dores do corpo e da alma solitária...
Chamou Alícia para um passeio na praça perto da loja, alegando que aquela tarde de verão estava quente. E munidas de seus leques, sentaram em um banco, ladeado de jardins. Primeiro rodeou e depois foi ao ponto:
- Filha, sua irmã já está casada, e me preocupa que você sendo a mais velha,não tenha nenhum pretendente escolhido ainda... Sei que não faltam olhares para você. Pude notar isso até no casamento de Mariana! Alguns rapazes a observavam... Temo que fique solitária na idade madura, e isso não é bom paar ninguém. Você é uma moça independente, coisa que a amioria não é, mas, isso não implica em deixar seu coração fechado. Escolha um desses rapazes que te cortejam, e se case. Ficarei mais tranquila sabendo que será amparada pelo resto de sua vida.
-- Mamãe, eu não preciso de presença masculina, me viro bem. Mas, se tanto insiste com isso, darei uma chance paar me apaixonar. Só casarei amando alguém.
- Claro, eu te entendo. Mas, se não der uma oportunidade, como vai saber?
- Sim, vou pensar nisso com muito carinho.
Nesse ponto da conversa, foram interrompidas por um hommem que vinha correndo:
- Senhoras, desculpem a intromissão, mas, dona Olívia está desmaiada na Casa de Costura. Eu vi, mas, não quis tocá-la...
- Sim, vamos mamãe!
Alícia se levantava apreensiva.
Ao chegarem à loja, Olívia estava na namoradeira, desmaiada. Dulcina pegou uns sais que sempre levava consigo na pequena bolsa, e deu para que ela cheirasse, assim recobrando os sentidos.
Alícia disse segurando as mãos de Olívia:
- Que susto nos deu!
Dulcina disse para Alícia:
- Ela pode ter tido uma queda de pressão. Mas, isso já aconteceu outras vezes?
- Não que eu visse.
Olívia entou falou:
- Aconteceu uma outra vez, mas, no quarto, caí na cama;quando fiquei tonta, tive a ideia de ali ficar.
E Alícia preocupada:
- Por que nada disse?
- Justamente para não te preocupar... Mas, desconfio do que seja.
- Ah, sim, e o que é?
Dulcina interrompeu, dizendo:
- É o que estou pensando?
- Bem, se pensa que pode ser uma gravidez, é o mais provável que sim.
Alícia espantada, disse boquiaberta:
- Mas, estar grávida tem que ter a participação de um homem! E onde ele está, que nunca vimos?
- Você e ninguém o viu, porque nos encontráva-mos sempre noite, enquanto todos da vizinhança dormiam.
- Ohhh! Nunca desconfiei que havia alguém na sua vida!
Disse Alícia, balançando a cabeça.
Dulcina então,retomando a conversa:
- Precisa dizer ao pai dessa criança, para que ele assuma.
- Já falei sobre minha suspeita de gravidez, e ele foi categórico dizendo para eu tomar uma atitude e me livrar do problema, porque ele não quer essa responsabilidade.
- Que crápula! Comeu da carne, e não quer roer os ossos!
- Dona Dulcina, ele não vai assumir. Eu não sei o que fazer!
- Mas, tenha seu bebê. Dá-se um jeito de criar a criança.
- O que me preocupa é minha criança se tornar um excluída, gente "apontando o dedo" na rua, chamando de bastarda. As pessoas são muito cruéis!
- Venha comigo para a Bahia. Lá ninguém lhe conhece. Digo que trouxe uma recém viúva que está grávida, e pronto!
Alícia então, contrariada respondeu:
- Nada disso, mamãe! Ela fica e ajudo a criar a criança, nada vai faltar. E quanto ao povo, eles que se lixem e tomem conta da própria vida! Já vou avisando que serei a madrinha e segunda mãe.
Olívia então se pronunciou uns segundos depois:
- Agradeço seu afeto e atenção, Dona Dulcina, mas, vou ficar por aqui mesmo. Já me acostumei. Cuidarei para que ninguém faça troça da minha criança e seguirei a vida...
- Então está bem. Espero que tenha muita força e paz. E agora, já que está melhor, vou arrumar as malas, porque amanhã viajo para a Bahia.
Dulcina não pode deixar de pensar como a vida tem ciclos que se repetem: Ela mesma pegou um dia sua afilhada para cuidar como filha, e essa, agora fazia o mesmo para outra criança...
Olívia e Alícia de mãos dadas, a viram sair e em seguida, já fazia planos para o enxoval do bebê. Nunca mais tocaram palavra que fosse, sobre o homem que a engravidara. Ficou esquecido, como nuvem que passa no céu.
Capt 6
A barriga de Olívia demorou a aparecer, e quando isso aconteceu, ela já estava no último trimestre de gravidez. Aí sim, o povo começou com os comentários maldosos quando ela passava na rua:
- Quem será o pai dessa criança?
- Nunca vimos essa dona com ninguém...
- Deve ser uma paixão proibida. Vai que é casado...
Assim, ela levou escutando os sussurros da vizinhança...
No último mês, estava bordando na sala com Mariana, partes do enxoval que faltava, e ouviu quando ela disse baixinho:
- Queria estar assim, esperando um filho...
- Quer o meu? Eu te dou com todo meu coração...
- O que está dizendo? Isso é sério? Não brinque comigo, Olívia... Meu coração até dispara!
- Mas, eu não estou a brincar, Mariana! Falo seriamente. Sei que tentas ser mãe e não consegue... Eu aqui a ter um filho sem pai... Mas, posso dar um lar digno e pais maravilhosos para esse bebê, se quiserem, é claro...
- Meu Deus, fala sério mesmo! Quero e muito, sim e sim! Vou já falar com Castor!
Mariana saiu num rompante, deixando o bordado na cesta e batento a porta atrás de si, correndo como adolescente.
Olívia, balançou a caberça e pensou:
" As coisas que faz o Senhor Destino..."
Mariana chegou esbaforida no trabalho de Castor e notando, foi pegar um copo com água para dar-lhe. Perguntou então:
- O que foi, meu amor? Por que esse alvoroço todo?
- Uma proposta para ti, espero que aceite, porque me fará imensamente feliz! Olívia nos ofereceu a criança que está para ter!
- Como assim, ela nos quer dar sem mais nem menos?
- Diz que a criança terá um lar digno, como tem que ser, com mãe e pai. Assim, ninguém a excluírá, como bastarda. Claro, e daremos uma boa educação também.
- Sim, se te fará feliz, então, aceito de bom grado.
- Ah, meu amor, que alma boa tu tens!
Eles se abraçaram bem ternamente e ela em seguida correu novamente para dizer à Olívia que estava tudo acertado.
Um menino nasceu dias depois, em setembro. Chamou-se Bernardo Manoel, a junção dos nomes dos avôs paterno e materno,de Castor. Quando Olívia ainda no leito em que teve o bebê, entregou aos novos pais, apenas fez um pedido:
-Aqui está o filho de vocês. Peço que Alícia continue sendo a madrinha para ele.
Mariana respondeu:
- Mas, é claro que minha irmã será a madrinha!
Registrado como filho,e não como adotado, o bebê tinha todas as garantias que nunca seria apontado como bastardo.
Contudo, uns nascem, outros se vão...
Dulcina não pode vir para o batizado do neto. Estava de luto: Gonçalo havia morrido de uma queda terrível de cavalo, na fazenda. Já fazia um mês, e ela se manteve numa monotonia nunca vista antes... Ele era sua alma gêmea. Não via graça naquela fazenda seu seu marido. Mal comia, mal dormia...
Então, um telegrama chegou contando o estado de saúde de sua mãe, já bem idosa. Ela estava por pouco tempo. Munida de forças,decidiu que viajaria para o interior de São Paulo, para passar os últimos dias da mãe, fazendo companhia.
Disse ao gerente da fazenda, Fidel, que tomasse conta de tudo. Arrumou as malas e foi. Foram apenas dez dias depois que Dulcina chegou ao lar da mãe, e ela morreu, vítima das complicações da velhice. Dulcina então, como única herdeira, doou um lote de terra para cada trabalhador de fazenda.
Somente a área da casa grande e as pastagens da frente, ela deixou para ser um refúgio nostálgico, quase como se a casa se tornasse um museu familiar, a que ela e suas filhas um dia quisessem retornar para matar saudades.
Ali se fechava mais um capítulo de sua história. Estando em São Paulo, esticou a viagem até o Rio, finalmente conheceria Bernardo, seu neto.
Quando chegou,se encantou com aquela criança e dava colo o tempo todo. Mariana então, acabou por dizer:
- Mamãe, quando você for para a Bahia, ele vai chorar com manha. Está mimando demais com tanto colo!
- Quem te disse que eu vou voltar?
- Ora, e não vai? Gado não engorda sem o dono... Vai confiar no gerente da fazenda?
- Vou vender a fazenda.Darei um lote de terra para cada trabalhador,que tive todos esses anos, e vendo o resto:Casarão, plantação de algodão e tecelagem. Ponto final! Vou ficar no Rio. Minha família está aqui, então, é meu lugar. Não quero estar mais na fazenda, remoendo as lembranças. Vou mandar que o gerente deposite o dinheiro na conta do banco.
- Certo, mamãe. A senhora tem a capacidade de se recuperar, dar a volta por cima... Então,se é isso que quer, faça.
Entregando o bebê para Mariana ela disse:
- E vai ser agorinha mesmo!
- O que vai fazer?
- Comprar minha nova casa.
- Como assim? Já tem uma em vista?
- Claro! Vou chamar Olívia para me acompanhar. Mas, antes de ir à loja,passo no correio e envio uma carta para o gerente da fazenda, que fiz ontem à noite.
- Mãe, a senhora não brinca em serviço!
- Claro, me chamo Dulcina! Caso contrário, não seria eu...
Mariana riu.
********
Dulcina passou na Pequena Paris e disse para Alícia ao entrar:
-Estou pegando a Olívia emprestada.
- Ah, sim, e onde vai, se posso saber?
- Vou comprar minha nova casa. Vem, Oly,dá aqui o braço, vamos passear um pouco.
Disse entrelaçando seu braço ao de Olívia, e acenando para a filha.
Passaram por duas esquinas e chegaram à casa. Era uma casa de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área nos fundos com um pequeno quintal. Na frente,um jardim beirando a calçadinha de pedras batidas que levavam à varanda da casa.
Exatamente como Dulcina havia imaginado que queria! Parecia ter sido feita para ela!
Olhou tudo muito bem e decidida disse oa proprietário, um português que como tantos,se chamava Joaquim:
- Então, ficarei com a casa e pago em dinheiro vivo, Diga o preço.
- Dinheiro vivo, mas, que ótimo!
Tratado o valor, Dulcina que esperava até que ele quisesse mais pela casa, sacou de sua bolsa um amarrado de notas e disse:
- Confira.
O homem conferiu muito rápido e passou a escritura e chaves para as mãos dela.
Parecia mesmo estar precisando do dinheiro. Ainda disse:
- Bom negociar com uma senhora decidida!
Olívia deixou o homem sair e completou:
- Concordo com o velho. A senhora diz que vai fazer uma coisa, e faz!
- Minha cara Olívia, isso é o poder feminino!
Olívia, não entendia onde Dulcina queria chegar, porque para sua ideia, mulher não tinha poder algum num mundo patriarcal, onde mulheres não tinham direito sequer a voto.
Tempos depois ela entendeu.
Capt 7
A carta enviada por Dulcina, mal passava de um bilhete, mas, era clara e objetiva.
Caro gerente Fidel:
Quero que dê um lote de terra a cada trabalhador meu. E seguida, venda a parte da plantação algodoeira, a tecelagem e o casarão. Quanto à sua participação nisso, deixo que tenha 10 % do valor dessa venda. Voltarei quando puder para ver se ficou tudo como eu disse. Deposite o dinheiro na conta do banco que tem os dados. Grata pela colaboração até aqui.
SAUDAÇÕES:
Dulcina.
O gerente mal acreditava no que lia. Contudo, tinha que fazer. Ela era a dona, ele tinha que obedecer, embora achasse um absurdo ela deixar tudo aquilo para morar no Rio.
E assim,ele deu conta de enviar o dinheiro para Dulcina logo que tudo foi acertado.
Os dias de Dulcina passavam calmos na nova casa. E em um ou outro final de semana, as filhas iam visitá-la. Aquela vida estava nos eixos, simples e alegre com sua família morando perto.
Alícia continuava sem um romance. Queria sentir o coração bater por alguém, mas esse, nunca aparecia em sua vida.
Dulcina estava bem sem presença masculina em sua vida, mesmo tendo dado o conselho para Alícia,que a idade madura não deveria ser passada solitariamente, isso não se aplicava à ela mesma. Ainda se mantinha bem ocupada com suas "Cartas de Verão".
O que eram essas cartas?
Desde que começara aquele verão, ela fazia pequenas cartas e espalhava pelas ruas, dando incentivo aos mais necessitados com pequenas quantias de dinheiro. O mesmo dinheiro da venda da fazenda da Bahia. Colocava num chapéu de pedinte, numa caixa de uma casa muito pobre, colocava nas mãos de uma criança que passava fome e de várias maneiras ajudava um ou outro...
"Quem é a senhora que põe nas mãos dos necessitados, essas cartas?"
Era a pergunta estampada em um dos jornais da cidade.
Claro, ela se disfarçava e ninguém sabia que era Dulcina, nem mesmo as filhas.
As Cartas de Verão com dinheiro, finalizaram. Não que ela não quisesse continuar ajudando, mas, como foi à público, algum ladrão poderia tomar dessas pessoas quando recebessem. Assim, ela deu uma boa quantia à orfanatos, asilos e casas de ajuda aos desabrigados e desempregados.
Ela passou a fazer outras cartas no verão seguinte, desta vez, trazendo mensagens para cada pessoa que conhecia e sentia que precisava de ajuda emocional. Elas recebiam essas cartas por baixo da porta de suas casas.
Eram as Cartas de Verão do Amor ao Próximo.
Dulcina estava vistosa, mesmo sendo uma senhora de meia idade, guardava traços bonitos, tinha presença. Não demorou muito para chamar a tenção de um ex barão do café que já há uma década morava no Rio de Janeiro. Era conhecido pelo sobrenome: Guimarães.
Na festa de 3 anos de Bernardo, que era um dos convidados de Castor, ele se aproximou de Dulcina e começou a puxar assunto:
- Uma bela noite de aniversário para seu neto, Sra Dulcina!
- Ah, sim está mesmo muito agradável Sr Guimarães.
- Sabe senhora, faz tempo que lhe observo... E me encanto com sua formosura mesmo em idade madura.
Ela riu e disse:
- Até rimou Sr. Guimarães!
- E não foi? Eu nem percebi disso...
Ele riu também. Contudo, voltou à conversa:
- Bem, o que quero é lhe fazer um convite para podermos conversar e nos conhecermos melhor: Me acompanhe até a Colombo, amanhã de tarde; Que acha?
- Aceito seu convite, pois há tempos que não vou à Confeitaria Colombo*. O clima Parisiense daquele lugar, me encanta!
- Digo o mesmo. É um ambiente romântico também. Muito bem, então está combinado: Que tal às 16 hs? Eu a pego em casa.
- Para mim, está um bom horário. Agora se me permite, está na hora de canatar os Parabéns, vou ficar perto da família...
- Sim, claro.
*A confeitaria foi fundada em 1894 pelos imigrantes portugueses Joaquim Borges de Meireles e Manuel José Lebrão, tendo um extenso rol de clientes célebres na sociedade brasileira.
* imagem retirada do link: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=17948
No tarde do dia seguinte, ele desfilava pelas ruas do centro do Rio, com aquela senhora que chamava atenção ainda, como se fosse um troféu para o ex barão.
Ali na Confeitaria estavam alguns conhecidos de Guimarães, os olhos deles se voltaram para a vistosa senhora que ele trazia com o braço entrelaçado.
Sentaram-se e abriram o menu que estva sobre a mesa. Dulcina escolheu café, duas torradas, geleia de amora e um pedaço de torta de chocolate.
Ele ainda não havia pedido, e Dulcina perguntou:
- Não vai fazer o pedido ao atendente Sr Guimarães?
- Ah, sim. O mesmo que esta senhora pediu.
Disse ao rapaz. Dulcina riu novamente.
- O sr não sabe o que pedi!
- O que estiver bom para a sra, serve para mim.
- Que tanat confiança nos meus gostos!
- A senhora tem muito bom gosto em tudo, já percebi: Nos vestidos, na casa, nas amizades... Veja está aqui falando comigo!
- Nossa, o senhor não perde tempo para se valorizar!
- Estava brincando, não sou esnobe. Sou até uma pessoa bem simples, não tenho ego inflado.
- Depois que deixou as fazendas de café, suponho...
- Não, de forma nenhuma! Sempre fiu assim, mesmo antes disso.
- Ah, sim? Bem, menos mal.
- Olhe, lá vem nosso pedido...
Eles conversaram bastante para saber se teriam algumas coisas em comum.
Ela foi categórica em dizer:
- Sabe, Sr Guimarães, acho que essa coisa de que pólos contrários que se atraem fica no campo da Física.Um relacionamento para dar certo,as pessoas envolvidas devem partilhar de gostos, ideias, e sentimentos parecidos, é como uma simbiose.
Porém, para sua surpresa, descobriu que ele era um homem altruísta, Isso muito a alegrou, foi um ponto positivo para ele.
A tarde caíra quando saíram do local. Eles ainda passearam um pouco pelas ruas até chegar à casa de Dulcina. Ela agradeceu a tarde acolhedora que ele a proporcionou e o convidou em retribuição, para almoçar no sábado, em sua casa.
O que ele aceitou de imediato. Em seis meses Guimarães a pediu em casamento já que ambos eram viúvos. Ele tinha 3 filhos que moravam longe, mas, que vieram para o casamento do pai. Foi numa manhã de domingo que se casaram.
Dulcina alugou a casa que comprara antes, e foi morar na casa dele. Uma casa relativamente boa: 4 quartos, 2 salas, uma boa cozinha e copa, 2 banheiros, uma biblioteca, um hall social , um bom quintal com área de serviço e uma varanda que contornava toda a casa.
Assim começava mais uma etapa na vida de Dulcina.
Capt 8
Alícia andava estranha, sentiu-se realamente só naqueles dias. Olívia era sua boa companheira, amiga, como uma irmã mais velha, mas, mesmo assim, havia momentos que lembrava das palavras da mãe, da solidão que seria na idade madura, sem uma presença masculina. Foi então que resolveu dar uma chance à um jovem médico: Heitor Coimbra, que a vinha cortejando um bom tempo.
E por essas coisas do destino, ele salvou sua vida, quando um carro com pai, mãe e dois filhos perdeu controle e bateu em um poste, justamente onde Alícia estava passando naquele momento. Por questão de segundos, ela seria atropelada, se ele não corresse a puxando pelo braço.
Dessa família que estava no carro, sobrou viva,só a mãe. Pois seu esposo e dois filhos, morreram instantaneamente.
Alícia ficou com aquela imagem um bom tempo na mente... Dulcina a ajudava com palavras de conforto, mas, ela lembrava sempre daquelas pessoas. Pediu à mãe que procurasse saber da senhora que sobreviveu, para poder ajudá-la em qualquer coisa que fosse. Heitor então que havia se convertido em seu anjo da guarda, e estava sempre a seu lado desde aquele dia, ofereceu-se para isso. Dulcina apoiou, percebendo o quanto aquele homem gostava de sua filha.
Nessa procura pela senhora, ele finalmente a encontrou numa casa de doentes da mente, tamanho trauma de ter perdido sua família, ela teve de ser internada por parentes distantes, como um primo que não a via, fazia pelo menos 10 anos.
Então, ele conseguiu convencer aos outros médicos e familares daquela mulher, que cuidaria dela em uma clínica em Niterói.
Dulcina a hospedou em sua casa, por ter mais quartos. Mariana,Alícia e Heitor, a levaram no fim de semana seguinte, aos amigos do Dr. March, em Niterói.
Lá ela foi cuidada emocional e espiritualmente. Em um par de meses ela era outra pessoa e sua sanidade mental estava de volta. Dulcina disse-lhe que voltar para a casa que morava antes do acidente, só traria lembranças tristes, então convidou-a ser sua dama de companhia por assim dizer,e permanecer morando com Dulcina e Guimarães.
Ela aceitou depois de ponderar um pouco, achando a melhor solução. Ela se chamava Mirna Becker Stein.
Era gordinha de traços bonitos: Olhos azuis, loira, alta, o que disfarçava um pouco peso. Estava no país havia 20 anos, e veio aos quinze. Tornou-se assim, amiga inseparável de Dulcina.
Com tudo acertado com Mirna, Alícia tirou de sua mente a melancolia que a envolveu por um tempo. E quando o Dr. Heitor, em uma noite de primavera, a pediu em casamento com uma serenata, ela finalmente disse Sim.
Dulcina enfim, ficou contente em ver sua querida Alícia se casando com um bom homem e sabia, que amava muito sua filha.
Tempos depois, Olívia também foi morar na casa de Dulcina. Pois não queria ficar sozinha na Casa de Costura, já que Alícia casada, havia se mudado dali.
Um ano depois, Alícia tinha uma menina a quem deu o nome de Vera, pois, nascera na primavera. A madrinha da menina seria então, Mirna.
E que de olhos marejados, agradeceu esse convite com muita emoção.
Capt 9
A vida continuava tranquila para todos.
Bernardo crescia sem saber que não era filho de Mariana e Castor, pois ninguém da vizinhança diria a verdade. Era como um código de ética, ficar com a boca calada sobre isso.
Contava agora seus oito anos e amava brincar com a prima menor. Cuidava de Vera, como se a pequena fosse de sua inteira responsabilidade.
Certo dia, estavam brincando na praça e veio um homem de 50 anos mais ou menos. Sentou-se ao lado de Mirna, que tomava conta das crianças, e disse:
- Eu sou o pai dele.
Ela o olhou com espanto e disse:
- Deixe de brincadeiras, senhor! Esse menino é filho do Sr. Castor.
- Ele é meu filho e de Olívia. Castor e Mariana são pais porque criam.
- Moço, se o senhor não parar de dizer essas coisas basurdos o menino escuta, e vai até chorar. saia daqui, por favor. Se não sair, eu saio com as crianças.
- Não precisa, já estou indo embora. Mas, dê lembranças à Olívia, por mim.
- Em nome de quem?
- Ela sabe.
Ele se retirou e passando por Bernardo,passou a mão pelo cabela dele, como se fizesse uma brincadeira de bagunçar o cabelo Romeuzinho do menino.
Mirna, não gostou nada daquele homem, mesmo parecendo inofensivo, ficou com um pé atrás com ele... Assim que chegou em casa, chamou Olívia na copa e disse:
- Sente aí que tenho uma coisa para te contar que aconteceu na praça.
- O que foi Mirna, viu algum fantasma?
- Pode ser seu fantasma...
- O que está dizendo?
- Um homem alto, magro,de cabelos ondulados e bigode,apareceu por lá com uma conversa que não gostei nada: Disse que era pai do Bernardinho. E então?
Olívia engoliu em seco. Era tudo que ela não queria saber na vida!
Quando engravidara e ele não quis saber de dar apoio, o relacionamento acabou naquele momento.
Ela nunca mais quis saber dele. E agora ele reaparece depois de todo esse tempo?
Não isso não ficaria assim! Ela falaria uma única vez mais com ele.
Evitando, qualquer aproximação que ele quisesse com a criança, que estava muito bem com seus pais de coração.
Mirna voltou ao assunto:
- Responde, mulher! Vai ficar parada pensando?
- Sim, ele é! Mas, vou dar cabo disso rapidamente. Hoje mesmo vou procurá-lo e dizer que se mantenha afastado. Caso contrário, falarei com Castor. E tenho certeza que ele não iria querer isso...
- Parece que há um mistério nisso tudo.
- Sim, há. Mas, espero que se mantenha oculto, a não ser que ele me force a falar com Castor...
- Bem, minha parte foi te avisar. E fique tranquila, não vou comentar com ninguém.
- Obrigada pelo apoio.
Naquela noite, Olívia quase não dormiu. Estava determinada: Logo cedo, depois do café, iria até a casa daquele homem e colocaria os pingos nos is.
Mirna notou que ela estava gitada durante o café da manhã, mas, não comentou com Dulcina, porque poderia despertar o interesse em saber de algo.
Com a desculpa que iria buscar ovos no mercado, saiu e foi até a casa do homem.
Bateu à porta, e ele veio.
- Ah, já esperava que viesse, depois da minha conversa com sua amiga...
- Não tens vergonha, homem? Depois de tanto tempo, aparecer assim?
- E sempre o observo, se quer saber. Sempre estive por perto, mesmo sem ninguém notar. Sou até professor dele na escola!
- O que está dizendo? Não diga nada à Bernardo! Ele tem ótimos pais que o amam muito!
- Não fique preocupada, não pretendo estragar nada. Só queria que soubesse que ainda penso em você. E queria muito recobrar nosso relacionamento.
- Mas, é muito idiota, se pensa que caio nessa de novo!
- Ainda é jovem e bonita, por que não aproveitar as coisas boas da vida?
Ela não conversou e lascou um tapa forte no rosto dele. Virou-se e antes de sair disse:
- Não me procure. Caso contrário, conto tudo.
Ele passou a mão no rosto dolorido e vermelho marcado pela mão dela e pensou:
"Ainda me vingo desse tabefe! "
********
Mirna estava aflita com a demora de Olívia,já temia que houvesse acontecido alguma coisa...
Impaciente, acabou deixando um prato cair e Dulcina disse:
- Não estás bem. Que tempo que mora aqui, amiga,e nunca deixaste cair um copo que fosse!
- É verdade! Mas, deixe vou catar tudo.
- Me diga o que te deixou asim, agitada...
- Nada, Dulcina, fique tranquila.
- Eu a conheço bem para saber que está me ocultando alguma coisa!
- Sim, mas não posso dizer. Perdoe-me.
Nesse instante Olívia entrava um pouco agitada.
Dulcina percebeu então,que havia mesmo um motivo de preocupação. E estavam guardando um segredo. Contudo, deixou assim. Nada perguntou.
Dias se passaram e numa tarde, bateram à porta da casa de Dulcina.
Era ele! O mesmo homem! Mirna foi dizendo:
- O senhor não deveria estar aqui.
- Mas, estou. Quero falar com Olívia.
Olívia olhou da sacada da janela e disse para Mirna:
- Deixe, vou atender esse homem.
Ela desceu as escadas e foi até ele.
- O que pretende fazer vindo aqui?
- Nada, só te chamar para sairmos juntos. Vamos até a praça.
- Só dessa vez.
Ela pegou o chapéu e saiu com ele.
Mirna ainda os observou até sumirem na esquina.
Final
Dulcina, vendo Mirna olhando para fora, chegou perto e perguntou:
- O que há de tão interessante na rua hoje, que você não tira os olhos?
- Nada, Dulcina. Estava só observando os passantes...
- Hummm, sei... A mim, não engana, aí tem coisa!
Dulcin afoi dar uma espiada e ainda pegou quando Olívia virava a esquina com aquele homem.
Estranhou Olívia sair acompanhada de um homem, e se virando para Mirna disse em tom de interrogatório:
- Vá desembuchando, com quem Olívia saiu?
- Não posso dizer, isso não é assunto meu.
- Mas, aí tem, com certeza! Vou atrás!
Virna segurou o braço de Dulcina e disse:
- Se fosse, você não iria, pode ser um pouco delicada essa situação... Para que se aborrecer?
- Mais um motivo! Tenho que descobrir o que está havendo de uma vez por todas. Não esqueci o mistério daquele dia, lá na copa...
- Está bem, se é assim, também vou.
- Que seja! Vamos logo! Eles já estão bem à frente, se não sairmos logo, perdemos a pista.
As duas saíram num arranque só.
Estavam bem atrás, mas, ainda podiam vê-los, dessa forma, descobriram que foram até a praça. Dulcina e Mirna sentaram-se a um banco um pouco distante para não serem notadas. Porém, franzindo a vista, que já não andava boa, para olhar o rosto do tal homem, disse para Mirna:
- Auele senhor não me é estranho... Já o vi antes, em algum lugar ou situação...
- Verdade? Então não é de se estranhar o segredo de Olívia...
- Como assim?
- Ora, Dulcina, se ela não queria que vocês soubessem que era, seria justamente porque poderia reconhecê-lo!
- E quem ele é afinal das contas, mulher? Me diga de uma vez!
- É o pai biológico do Bernardinho.
- O que está dizendo? Nunca soubemos quem era!
- Pois é, ele mesmo me disse na praça, quando estava com as crianças outro dia.
Dulcina, levantou-se de um ímpeto só, quando percebeu que ele estava tratando mal Olívia, gesticulando e parecia gritar com ela. Puxou a mão de Virna, e falou:
- Levanta, vamos lá!
- Mas, mas...
- Sem mas. Ela precisa de nós, não está vendo que ele está sendo grosseiro com ela?
Seguiram adiante, e quando Olívia as avistou frente a frente levou um susto!
E quando o homem que estava de costas, virou a cabeça para fitá-las, Dulcina o reconheceru finalmente!
Era o pai de Castor, e que agora sabia, também o pai de Bernardinho. Que de filho a passava agora, a ser irmão mais novo do pai adotivo. Quanta surpresa, Dulcina quase teve um pico de pressão!
-Acho que o senhor tem boas exolicações para nos dar, não é Sr. Ribeiro?
- Não, acho que tudo se explica por si só.
- Como o senhor teve a coragem de pedir à Olívia para abortar um filho seu? E ainda fingir esse tempo todo, que nada aconteceu...
- Acho que isso é entre eu e ela.
- Pois, sim! Mas, não deixarei que atrpalhe a vida da minha filha e de Castor, fique sabendo com todas as letyras: Por eles eu sou capaz de denunciá-lo à polícia.
- E diria o que?
- Que o senhor assedia, nossa queria Olívia, que a chategeia e que é perigoso, pode até atentar contra a vida dela! Vi como o senhor se comportou ainda agora, muito grosseiro!
- Bem, senhora Dulcina, não tenho nada mais a dizer à senhora. Estou indo embora. Passar bem.
- Vá, vá seu covarde! E não se atreva mais a incomodar Olívia!
Dulcina sentou de um lado de Olívia e Mirna do outro, segurando sua mão.
- Agora entendo porque nunca disse o nome do pai de seu filho. Comprometeria a família.Melhor deixar quieto.
- Sim, como ele é um homem casado, não ficaria bem o escândalo que seria. Castor também não merecia saber que o pai é um mau caráter, então nada disse.
- Mas, você disse que se encontrava quando todos estavam dormindo...
- Sim, ele tinha um quarto de hotel, fixo, para podermos ter nossos encontros à noite. Dizia para Dona Alexandrina que iria para o bar, conversar com o pessoal do jornal e jogar pôquer. A mulher dormia e não via as horas que ele chegava.
- Ah, agora entendo tudo... Não a julgo, mas, você sabe que um homem casado, é como areia movediça: Você cai, e é difícil conseguir ajuda.
- Sim, o caso é que acabei me apaixonando por aquele homem, que no começo era tão gentil e galanteador comigo! Ficamos anos juntos, porém, só fiquei sabendo que era pai de Castor muito tempo depois! Quando soube que estava grávida, fui dizer para que ele tomasse conta da responsabilidade, pelo menos que fosse para ajudar a sustentar a criança, os estudos... Nada queria para mim. No entanto, ele veio com a ideia que eu abortasse o bebê... Ainda bem que não fiz isso! Olha como Castor e Mariana amam o Bernardinho!
- É verdade! Bem, agora voltamos para casa. Esse senhor não vai nos incomodar, tenho certeza.
- Acho que sim, Dulcina. Ele ficou com medo de ti.
- Tanto melhor!
********
Passado esse episódio, ninguém falou mais do assunto. Mas, Dulcina escreveu naquele verão, duas cartas diferentes das que enviava com mensagens de conforto, motivação à quem precisava:
Uma, endereçada à Dona Alexandrina, e outra para Castor, deixando embaixo das portas de suas respectivas casas.
Não era do costume de Dulcina se meter em assuntos da familia alheia, mas, dessa vez ela não poderia deixar assim. Ela tinha que deixar ambos cientes quem era o Sr. Ribeiro...
Na primeira ela dizia:
Não preciso me identificar. Sou uma pessoa anônima, nesta cidade.
Todavia, me conhecem como a pessoa que escreve as chamadas "Cartas de Verão".
O meu motivo para a sua, é um pouco delicado:
Aconselho a senhora, Dona Alexandrina, a ter uma conversa seéria com seu esposo e dizer-lhe apenas que sabe de tudo sobre oito anos atrás. Aguarde em seguida a reação do seu marido. Descobrirá assim, algo que nunca imaginou.
Cordial abraço.
Na segunda, ela só mudou um pouco:
Não preciso me identificar. Sou uma pessoa anônima, nesta cidade.
Todavia, me conhecem como a pessoa que escreve as chamadas "Cartas de Verão".
O meu motivo para a sua, é um pouco delicado:
Eu o aconselho a ter uma conversa com seu pai. E diga que é sobre Bernardo. Observe sua reação.
Cordial Abraço.
Quando Dona Alexandrina e Castor finalmente souberam de tudo, ficaram pasmos!
Contudo, a mãe de Castor que vinha de família nobre, e tinha muitos recursos, não precisava mesmo de marido a sustentando, pois, a herança da familia a deixara muito bem, então, arrumou as malas e mudou-se para casa que tinha em Petrópolis.
E Castor ignorou seu pai por pelo menos mais 2 anos. Contudo, ele se sentiu bem em se inteirar da verdade, saber que Bernardinho era seu meio irmão, dava proximidade, porque afinal, o menino era sua família de sangue também! Tratava-o como pai amoroso, e agora, com mais motivos ainda!
Um dia Castor, aproximou-se de Olívia e disse baixinho:
- Agora entendo sua rejeição quando a pedi em casamento. Vocês estavam juntos fazia muito tempo, antes até de que eu a conhecesse.
Ela sorriu sem jeito e respondeu:
- Anos! Mas, ainda bem que entendeu. Porque isso era uma coisa que me angustiava muito. Mas, foi melhor assim. Você e Mariana se amam muito, foi ótimo tudo ter acontecido dessa maneira.
- Concordo plenamente.
********
A última carta daquele verão, foi escrita de forma poética:
Neste verão eu me revelo.
Aquela anônima, que escreve as cartas com o coração.
Que de primeiro, dava aos mais necessitados algum dinheiro,
para que a fome não os matasse, mais que o calor.
Contudo, depois, tudo mudou:
De cartas doadoras, às de motivação.
De esperança em dias melhores.
De incentivo à vida.
Cobertas de palavras amorosas, como lindas rosas.
Contudo, hoje, meu nome posso dar:
Sou Dulcina! A do café, do cacau e do algodão...
À todos que ajudei até aqui, minha gratidão!
Pois, o bem que se faz ao próximo, volta em dobro!
É a Lei do Retorno.
Dulcina fez duas cópias e pôs embaixo da porta de cada casa, dos membros da família: A casa de Alícia e Heitor, e de Mariana e Castor. Também deu uma à seu esposo, pedindo que lesse frente à Olívia e Mirna.
Só eles saberiam do seu segredo.
Fim
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