Conto
Márcio e Manuela estavam felizes com a chegada do primeiro bebê. Não queriam saber o sexo.
Confiavam que seria uma menina. Depois de aprontarem o quarto decorando-o em rosa e branco, compraram inúmeras roupinhas nesses tons.
Finalmente chegara o dia! Eles queriam um parto normal, mas por a criança estar sentada teve de ser uma cesariana.
Ao ouvir o primeiro choro, Manuela disse:
_ Uma menina, não é doutor?
_ Desta vez errou: é um menino bem forte! Está bem saudável e perfeitinho. Meus parabéns!
Ela não fingiu entusiasmo, a decepção era evidente em seu rosto...
Pegou a criança que a enfermeira acabara de limpar e lhe entregava para o primeiro beijo.
Olhou o bebê, desejando que fosse Mariana, o nome escolhido para a menina tão sonhada pelo casal.
Um sono foi tomando conta de si e entregou seu filho para a enfermeira já fechando os olhos...
O obstetra saiu do centro cirúrgico e foi abordado pelo pai da criança:
_ Então, doutor, minha filha já nasceu? Minha esposa passa bem?
_ Duas perguntas, duas respostas: É um garotão, parabéns!
E sim, sua esposa está bem. Apenas sonolenta no momento e ficará assim por um tempo.
Márcio assentiu com a cabeça e agradeceu as informações.
Um desapontamento instântaneo tomou conta dele: Pensou naquele quarto, prontinho para receber Mariana... E viria agora quem? Nem ao menos tinham cogitado um nome, se fosse por ventura um menino!
Dois dias depois, o casal saía da clínica com o menino nos braços, vestido completamente de rosa, o que as enfermeiras acharam muito estranho...
Mesmo sabendo ser um menino, Márcio não foi comprar outra roupinha para sua saída da clínica, ficou com a roupa que Manuela levara desde sua internação, para vestir a criança.
Assim, a criança foi registrada como Marion que poderia ser uma menina ou menino...
O sexo da criança, declarado pelo pai na certidão de nascimento, foi feminino e ponto final.
A obsessão começou desde os primeiros dias: O casal usava todos os vestidinhos comprados, enfeitavam-no com lacinhos na cabecinha e pulseirinhas e brinco nas orelhas. Marion era a 'Mariana' que eles queriam agora...
Para quem perguntasse tinham tido uma menina, afinal ninguém levantaria a roupa da criança para olhar que sexo tinha!
Foi matriculado na escolinha aos 4 anos de idade. Como estava em sua certidão sexo feminino, era uma menina para o entendimento de todos. Marion realmente não desconfiava que não fosse, porque desde seu nascimento fora tratado como tal. Na verdade nem sabia que os sexos eram diferentes, era criança e nada desconfiava sobre isso...
Anos mais tarde, Marion já contava 8 anos e viu no banheiro das meninas, que uma delas estava arrumando a calcinha e estranhou que ela não tivesse "aquilo" que ele usava para fazer seu xixi...
Perguntou por pura curiosidade:
_ Sthefany, por que você não tem "passarinho"?
_ Passarinho? O que é isso?
Ele abaixou sua calcinha e mostrou-lhe sem qualquer malícia. Era como se mostrasse qualquer coisa!
Sthefany olhou assustada aquilo! Nunca tinha visto tal coisa na sua frente.
Virou-se para as outras meninas que estavam no banheiro e apontou para Marion.
Elas ficaram espantadas com o que viam e correram para chamar a professora.
Achavam que Marion pudesse estar doente, e "aquilo" seria da doença!
A professora ao chegar no banheiro encontrou Marion chorando sem parar. Pois entendeu que se as meninas tiveram aquela reação, era porque estava diferente de todas as outras.
A professora Marli sentou-se ao seu lado no banco do banheiro e perguntou:
_ Que houve Marion, por que chora? Que doença é essa que as meninas foram me dizer que você tem?
Marion ainda soluçando, levantou a saia do uniforme, e a professora pode reparar o volume na calcinha que vestia. Só assim entendeu tudo que acontecia ali...
Ela enxugou uma lágrima que corria ainda pelo rosto de Marion. Dizendo então:
Não se preocupe não é doença. Apenas você é diferente das meninas. Mas quero a presença de seus pais na escola amanhã, porque preciso lhes falar com urgência, ok? Agora vamos voltar para a sala de aula que o recreio já acabou. E vocês meninas, por favor nada comentem por aí, com quem quer que seja! Isso é uma coisa que só é para ser falada com os pais de Marion. Ninguém precisa ficar sabendo disso, estamos entendidas?
As meninas responderam em coro:
_ Sim, professora Marli!
O resto da aula tornou-se um incômodo para a professora, porque dentro de si não entendia como os pais daquela criança fizeram aquilo: O dano psicológico, poderia ser muito grande...
Mesmo depois da conversa com a professora, o casal não quis mudar sua opinião e simplesmente tirou Marion da escola para evitar maiores comentários. Mudaram-se até de cidade, onde Marion continuou a vestir-se como menina até seus 12 anos, quando finalmente descobriu ser um menino.
Um dos meninos da classe do oitavo ano, abordou-lhe no pátio da escola e perguntou se queria ir ao cinema no outro sábado. Marion disse que estava tudo bem, pediria aos seus pais que deixassem... Mas, que teriam de levar outras pessoas, porque sozinhos não poderiam ir..
Foi no cinema que deu seu primeiro beijo. E quando o rapazinho (mais velho que Marion) tentou passar as mãos no seu seio, descobriu apenas um soutien cheio de algodão. Perguntou então estranhando uma menina daquela idade, ainda não ter seios de verdade:
_ Marion, porque você usa enchimento e não tem peitinhos ainda? As outras garotas tem, na sua idade...
Marion não sabia o que dizer, de fato, tinha notado que os seios não cresciam e todas as suas colegas de classe tinham! Respondeu então meio sem graça:
_ Eu não sei. Sou diferente das outras... Também tenho uma "coisa" que elas não tem, mas não mostro a ninguém. A única vez que mostrei, deu um problema na outra escola e tivemos que nos mudar para essa cidade.
_ Para mim pode mostrar. Sou seu namorado agora...
_ Bom, se beijar é estar namorando, somos então. Mas não sei se vai gostar do que tenho, é bem diferente das outras meninas...
_ Pode me mostrar, estou curioso já!
Nunca passaria pela cabeça daquele rapazinho que a diferença era justamente aquilo que tinham em comum:
Ao levantar o vestido e mostrar o 'volume" na calcinha, para Carlinhos, pode notar o assombro em seu rosto!
Ele pulou da cadeira e disse olhando para Marion:
_ Estou caindo fora, você é um garoto! Não gosto de brincadeiras desse tipo, prefiro as "gatinhas". Cara, seus pais são loucos de deixar você andar por aí, vestido assim e vivendo como uma garota! Tchau!
Daquele momento em diante, Marion soube a verdade. Aturdido, foi para sua casa, seus pais estavam no trabalho ainda. Aproveitando esse horário, arrumou a mochila e saiu de casa, ninguém mais soube dele.
Mas, como o primeiro beijo e o primeiro namorado não se esquece, ele preferiu mesmo vestindo-se agora de homem, ficar com os rapazes. Afinal seus pais o criaram para ser uma moça...
Fátima Abreu
Nota:
BASEADO EM UM CASO DA VIDA REAL.
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