quinta-feira, 25 de julho de 2013

Conto De Areia & Mar - CAPT 4




Irina achou que estava doente. Mas como poderia ser isso agora que resolvera mudar de vida, alçar voos nunca sonhados antes, quando morava no interior?
Nunca tivera tal 'calor' que lhe subia pelo corpo daquela forma...
Teria de ser alguma enfermidade por certo.
Foi até a pequena cozinha que apenas tinha um armário para guardar a louça, a mesa com cadeira para sentar-se às refeições (forrada com uma toalha pequena), um fogão a carvão e a pia  com duas prateleiras embaixo, coberta com uma cortininha de renda. Tratou de fazer o jantar, pois já eram 18:00hs e demoraria um pouco, até ficar pronto. Comeu mas, sem apetite. Estranhou isso.
O 'calor' também não passava...
Foi para o quarto, estendeu-se na cama deixando uma jarra com um copo ao lado, para que bebesse ao sentir sede durante a noite.
Tentou dormir, mas tal qual na noite anterior, o sono só veio quase ao raiar do dia.

Ao levantar-se  e lavar bem o rosto, foi preparar seu desjejum e percebeu que enfim o tal 'calor'  tinha ido embora. Era sinal que enganara-se: Não estava doente!
Animada novamente, comeu bem desta vez. Foi até a praia, olhou por momentos incontáveis o horizonte e os barcos distantes... Sonhava conhecer outras terras, além do mar que estava à sua frente.
Voltou para casa:
Trocou de roupa e foi até a vila para abastecer sua pequena cozinha:
Bolos, pães, alguma carne de caça, queijos e um vinho; por que não?
Gostava do sabor, das faces rosadas que ele lhe deixava, além de uma certa 'alegria' que proporcionava por breves momentos...
Sempre tomara com seus pais, pois era um hábito da família, afinal, moravam numa região vinícola, da França.

Ao chegar à vila, pode notar uma aglomeração, na praça central. Foi até lá, para saber do que se tratava...
Um senhor estava lutando com seu patrão, Gaston!
Mas o que ele teria feito para provocar aquele cidadão?
Ela foi ganhando espaço entre as pessoas que ali estavam, até chegar à Gaston. Conseguiu que ele  a ouvisse pedir:
_ Senhor Gaston Verne, deixe o homem em paz, por favor! Vamos comigo, eu o acompanho até sua casa...

Ele de súbito reconheceu a voz da jovem e largou a gola da camisa do homem, recompondo-se também, arrumando a casaca e passando a mão nos cabelos  desgrenhados.
O homem a quem Gaston agredira, acabou saindo em disparada, talvez com medo que ele voltasse atrás e o esbofeteasse novamente...

Irina ofereceu-lhe o braço, e seguiu com ele, rumando para sua residência.
Os olhos de todos que ali ficaram os seguia, pasmos!
Nunca viram uma reação violenta de Gaston, ser acalmada tão rapidamente como dessa vez!
Será que Gaston apaixonara-se pela jovem de outras paragens? Isso foi o assunto que envolveu toda a vila durante uma semana seguida...

Ao chegar na casa de Gaston, Irina fez com que ele se sentasse em uma das poltronas e descansasse por alguns minutos, enquanto ela lhe servia um licor. Passou então a acalmá-lo. Lembrou do conto de sua compatriota:
*A Bela e a Fera ou A Bela e o Monstro é um tradicional conto de fadas francês. Originalmente escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, Dama de Villeneuve, em 1740, tornou-se mais conhecido em sua versão de 1756, por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, que resumiu e modificou a obra de Villeneuve
* Wikipédia

Irina parecia-se com a tal Bela do conto de fadas:
Gostava de ler, sonhava com novos horizontes e agora estava envolvida com um homem que era uma verdadeira "fera", não em feiura (por sinal achava que Gaston  até era bem apessoado), mas em gênio...
Ali estava um homem bem difícil de ser controlado. Entretanto, Irina conseguira isso, na frente de todos!
O que ela teria que freou a atitude dele? Seria a doçura em sua voz, naquele momento?

De qualquer forma, dizem que o bom som, acalma as feras...
Irina pode ver o rosto antes amargurado de Gaston, ir se transformando aos poucos, tornando-se gentil.

Ela se serviu de um cálice de licor também. Gaston subitamente a olhou vidrado. Irina percebeu que o pensamento dele estava bem longe dali.
Usando daquilo que lera sobre teosofia, chegou-se perto dele, colocando suas mãos sobre seu peito e emanando energia através da imantação. Dessa forma, ele foi voltando à realidade.

Sem compreender o que ocorria, Gaston finalmente lhe disse:
_ A jovem tem conhecimento de cura? É alguma espécie de maga, pertencente à alguma sociedade secreta? As que conheço, somente aceitam homens; inclusive eu e meu tio Julio, fazemos parte da Rosa Cruz.
_  De jeito nenhum, senhor Gaston. Isso não é magia, é ciência  em favor do espírito. Todos temos um campo energético em volta do corpo físico: A nossa AURA, e quando ela está desequilibrada por muitos fatores, como a ira, inveja, cobiça, mentiras e outras coisas, muda de cor e nos faz muito mal.
A psiquê humana sofre com esse fenômeno, assim como os órgãos do corpo.  Pode-se gerar úlceras estomacais, por exemplo.
_ Eu sei disso, mas como sabe dessas coisas científicas, sendo uma moça vinda do interior?
_ Sempre li muito, senhor. Interesso-me por muitos assuntos que a maioria das jovens de minha idade desconhecem, pois estão sempre ocupadas em arrumar um futuro esposo. O que na minha opinião é de segundo plano...
_ Qual seria o primeiro plano então, Irina?

Ela pode notar que era a primeira vez que a chamava pelo nome. Respondeu-lhe então:
_ O primeiro plano sempre é o conhecimento, e tudo que gira em torno disso. Conhecimento é a chave do sucesso, essa é a minha opinião. Quero entender cada vez mais do mundo ao meu redor:
Culturas diversas, ciência, espiritualidade, o elemento humano e sua psiquê.
_ Se é assim, não poderá ser minha arrumadeira, vou ser seu benfeitor: Providenciarei para que vá estudar em Paris.
_ Senhor Gaston Verne, nos conhecemos há apenas um dia! Não acha que é muito precipitado de sua parte, querer financiar os estudos para uma mera moça do interior?
_ Algum sentido tem que se ter nessa vida, Irina. Até hoje estive em busca do meu. Dizem por aí que sou louco. Eles não entendem nada de mim. Sou um homem transtornado por viver à sombra da minha família. Por não ter nada de útil para fazer. Também nunca tive sucesso com as mulheres, porque elas tem medo da minha dita 'insanidade'...
_ Bem, eu sou diferente. Não tenho medo do senhor.
_ Está decidido então: Passará um ano em Paris, estudando o que achar melhor, com tudo pago por mim!
_ Oh, não sei o que dizer, senhor Gaston!
_ Não diga nada, apenas aceite.
_ Sim, aceito de bom grado!
_ Então Irina, será a motivação de minha vida, por pelo menos um ano! Dessa forma, tendo com que ocupar minha mente em defendê-la e educá-la como a uma dama da Terceira República, estarei livre por algum tempo, da depressão em que vivo. Cuide de arrumar suas coisas para a viagem, porque depois de amanhã, iremos à Paris para matriculá-la. Se puder, ajude-me também a organizar as minhas... Não sou bom com a organização de bagagem, as malas vão sempre de qualquer jeito...
_ Mas claro que sim! Não precisava pedir, é o meu patrão!
_ Não mais: Agora sou seu benfeitor. Estou apenas lhe pedindo um favor, não é mais sua obrigação, Irina.

Ela olhou bem no fundo daqueles olhos e reconheceu um brilho de bondade surgindo...

Continua...

Fátima Abreu





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