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sábado, 12 de outubro de 2024

O CAMINHO- republicado




CONTO SURREAL

Espelhos são portais. Disso ela já sabia.
Apaixonara-se por uma foto perdida no tempo. Ela trabalhava na Biblioteca da Cidade, como supervisora.
Por esse motivo, lera algo a respeito, pois gostava de vasculhar as prateleiras de assuntos místicos, mistérios antigos e outras coisas do tipo...
Não que a família quisesse para ela, uma profissão tão simples como bibliotecária (isso era o que achavam), almejaram voos maiores como a Medicina. Mas não se pode simplesmente fazer o que os outros querem, tem que se ter vocação e talento para cada profissão. Os livros foram sua paixão desde cedo e a Medicina nada representava para ela, definitivamente. Dizia para sua mãe e familiares que no dia que outra coisa lhe interessasse mais do que livros, ela seguiria em frente e deixaria o resto de lado...

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Numa tarde outonal, ela estava olhando os arquivos do computador, quando deparou com a foto antiga que datava do início do século XX: 1902, era o ano.
Não sabia porque, mas a fotografia lhe fazia lembrar alguém, ou mesmo parecia que conhecia o rapaz de cartola alta e casaca, que tinha em suas mãos também a bengala em moda, na época. Salvou o arquivo em seu e-mail para quando chegasse em casa, poder olhar com mais calma. Havia muito trabalho para ser feito e ela não poderia ficar presa aos detalhes de uma fotografia, dentre as muitas, que tinha ainda que catalogar da Biblioteca.

Não dormiu direito naquela noite.
Ao chegar em casa depois do trabalho, foi tomar banho e jantar. Logo em seguida, sentou-se em frente ao seu computador, abrindo a foto guardada em seu e-mail anteriormente. O rosto do belo rapaz de outra época, parecia suplicar algo: Tinha os cabelos castanhos tendendo para claros, os olhos caídos mas expressivos, o nariz fino...
Uma beleza masculina singular, embora com um 'ar' triste.

Será que havia conhecido algum neto dele, e por esse motivo, lembrava alguém? Isso foi a primeira coisa que lhe ocorreu, embora puxando pela memória, nada vinha...
Salvou a fotografia para imprimir depois.

Dias se passaram, ela continuava a dormir mal, quando isso acontecia, não lembrava os sonhos e seu primeiro pensamento era abrir sua agenda onde estava guardada foto que imprimira. Ficava olhando quase que hipnotizada...
Uma noite, finalmente lembrou um sonho:

Viajava em um coche e descia num campo à beira de um lago cercado por árvores lindíssimas!
Sentava-se ali na relva verdinha e ainda molhada do sereno da noite, a esperar alguém.
Abrira um livro de romance e aguardava...
O barulho do trote de um cavalo, a tirou da leitura:
Era ele, o rapaz da fotografia!

Ele sentou-se ao seu lado, beijando-lhe as mãos trêmulas. Viviana nada disse, apenas queria ouvir o som da voz de seu amado.
_ Minha doce Viviana, sei que terá que voltar para sua realidade, o que nos deixa terrivelmente distantes no tempo e espaço... Mas estive procurando meios para nos encontrarmos: Basta ter um objeto dessa época que seja um portal para vir mais vezes. Tente descobrir e quem sabe, meu amor, possamos ficar juntos de vez, e não somente em seus sonhos?
_ André, sei que não pertenço ao seu mundo antigo, mas como gostaria de aqui viver, com você... Tentarei sim, achar um veículo que me sirva de portal para estar aqui não somente desta maneira, e sim fisicamente. Transpondo o próprio tempo, pelo nosso amor!
Palavras não eram mais necessárias: Beijaram-se apaixonadamente e se deixaram ficar ali abraçados, e olhando o lago plácido, onde garças vinham para embelezar mais ainda, aquele quadro natural.
Acoradara com sua mãe sacudindo seu braço:
_ Viviana, vai perder a hora minha filha! Sei que não tem dormido direito esses dias, mas hoje dormiu, até demais!
_ Ah, sim mãe, já vou me arrumar, obrigada por chamar.

A mãe deu-lhe um beijo na testa e saiu do quarto para preparar o café da manhã.
Viviana ainda com o rosto 'amarrotado', olhou-se no espelho e lembrou do que havia lido no tal livro...
Era isso: Espelhos são portais!

Procurou saber se no principal antiquário da cidade, tinha algum espelho de 1902. E qual não foi sua surpresa, quando achou um, intacto! Tratou de comprar aquela raridade, antes que não tivesse outra chance, e um sorriso de total satisfação correu seus lábios:
Estava chegando a hora de finalmente conhecer fisicamente seu amor, dono de seus sonhos românticos.

Foi para casa apertando contra o peito, aquele espelho que seria a chave para sua felicidade. Correu para o quarto...
Pôs o espelho recostado na cabeceira de sua cama, mentalizou o rapaz da fotografia, o ano de 1902 e firmemente desejou estar onde André estivesse...

Um minuto depois, lá estava ela: Passando por dentro do espelho e do outro lado, André a recebia...

Em sua casa, apenas um bilhete sobre a cama para sua família:

HOJE CHEGOU O DIA!
CORRO PARA MINHA FELICIDADE E FORAM OS LIVROS QUE ENSINARAM
O CAMINHO...
COM MEU CARINHO DE SEMPRE:
VIVIANA


Fátima Abreu

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