Na sala para onde Micaela seguia a mando de Corine, uma lembrança passava na cabeça da mãe que ela não conhecia...
Mirthes fechou os olhos e relembrou uma imagem do passado distante:
Estava em Montmatre, ainda na França, seis anos de idade.
Mostrando para o artista que expunha seus trabalhos nas ruas da cidade, seus rabiscos infantis, mas que mostravam seu talento para os desenhos...
Ela agora olhava ao seu redor e via o quanto tinha progredido:
Uma atelier para suas criações, uma cadeia de lojas de sua grife: Rêver de la Belle.
Sim, agradecia também a ajuda de Corine, pois se não fosse por ela, nada disso seria possível!
Perdida nos pensamentos foi chamada ao presente, pela batida na porta.
_ Entre!
Micaela pediu licença e apresentou-se à Mirthes:
_ Olá, sou Micaela. A senhora Corine, disse para que eu me apresentasse aqui, Madame Mirthes.
_ Sente-se Micaela. Bem, bem... Parece-me familiar... Eu a conheci antes? Em algum de nossos desfiles, esteve presente?
_ Não, imagine, senhora! Eu até aqui, só vivi de empregos temporários e nunca fui modelo.
_ Engraçado... parece que te conheço, é uma sensação estranha! De onde vem?
_ Venho de Montmatre, na França. Preferi morar aqui na Inglaterra, desde que fiquei órfã, ainda adolescente.
_ Então devo ter te visto por lá, pois também sou dessa cidade! Quantos anos tem?
_ Tenho 21anos, na verdade, quase 22. Faço em maio.
Mirthes, olhou com mais atenção para Micaela e apenas em um momento, reconheceu-se naquele rosto...
Sim, era ela: A filha que ela havia doado para o casal que perdera a menina!
_ Como se chamavam seus pais, Micaela?
_ O nome deles está na ficha no DP, senhora. Pois consta em minha identidade.
_ Quero ouvir de você.
_ Valentín e Moira Carmello. Eram espanhóis, que migraram para a França.
Era a confirmação de que Mirthes precisava... Era esse mesmo casal.
Estava diante de sua filha! Depois de tantos anos, um encontro casual as aproximava novamente!
Não podia dizer-lhe por certo. O casal disse-lhe ao receber de braços abertos a bebezinha, que nunca contariam que era adotiva. Pediram também para que Mirthes nunca a procurasse, mesmo morando na cidade.
Assim ela fizera, pois também lhe convinha não saber o que acontecia... A vida já era bem difícil trocando de emprego a todo momento! Quanto ao filho, nunca soube absolutamente nada. Deveria ter sido adotado por algum casal mesmo, estava bem, com certeza...
Mirthes tentou disfarçar o estranho sentimento que tudo isso lhe causava... Disse então para Micaela:
_ Seja muito bem vinda ao nosso local de trabalho, Micaela! Hoje mesmo darei todas as instruções para que comece e saiba que terá um bom salário. Outra coisa: Onde mora?
_ Bem perto, senhora. Não se preocupe, serei sempre pontual, como todos aqui em Londres.
_ Quero saber se é um apartamento, casa...
_ Até que seria bom... Não, madame: Moro de aluguel em um quartinho com banheiro.
_ Não. De agora em diante mude-se para meu atelier. Aqui você terá tudo que precisar.
_ Mas senhora, isso é um pouco incomum, não acha? O que dirão as outras funcionárias? Uma novata morando aqui no seu atelier... Na cobertura do prédio!
_ Quem manda sou eu. Elas não tem que ter opinião sobre isso. Para todos os efeitos, não gerar inveja e comentários que cheguem aos seus ouvidos, quando perguntada, diga que é uma promoter da França. Estará tudo bem. Não será estranho então.
_ A recepcionista sabe que eu queria a vaga de balconista... Ela pode comentar sobre isso.
_ Não se preocupe com Gertrudes. Ela é discretíssima! A chamarei até aqui e pronto!
_ Bem, se é assim, aceito sua proposta e mudo para cá com minhas poucas coisas: Não dão mais do que duas malas.
_ Faça isso ainda hoje. Quero que depois do almoço, vá buscar suas coisas. Vou apresentá-la para toda nossa equipe.
_ Aqui tem algum refeitório para almoçar?
_ Claro, menina! Acabei de dizer que aqui terá tudo que precisa! Também as refeições, não se preocupe. Além do mais, aqui na cobertura, tem frigobar com sucos, água... sempre tem um vinhozinho também e micro ondas, se quiser fazer uma refeição de noite, quando a cozinha do segundo andar estiver fechada.
Agora venha, vou te mostrar pessoalmente todo o resto do nosso prédio.
Dentro de si, Mirthes pensou que aquele "nosso" soava como estar apresentando para Micaela o que lhe era de direito...
(continua)
Fátima Abreu
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